22 de jan. de 2009

A lenda de Sedna


Costumo contar esta história para adultos. Trata-se de um mito do povo Inuit, que ocupa um lugar essencial na cosmogonia nórdica. Como as lendas deste povo são transmitidas oralmente, as histórias estão sempre se modificando, sendo reinterpretadas pelos contadores, embora guardem os elementos principais.


A lenda de Sedna - Parte I


Era uma vez uma jovem de grande beleza, cujo nome era Sedna; a linda moça era filha de um grande caçador de uma comunidade litorânea, e estava em idade de se casar. Muitos rapazes valorosos de sua aldeia já se haviam apresentado como pretendentes, mas ela recusara todos. O pai manifestava preocupação, pois estava ficando idoso e não poderia manter Sedna indefinidamente. O melhor destino que uma jovem esquimó pode esperar é casar-se com um caçador jovem e forte, capaz de sustentá-la com os frutos da caça e da pesca. Mas Sedna não se interessava por nenhum pretendente, parecendo esperar por alguém especial.Um dia apareceu na aldeia um visitante bem apessoado, de aparência sedutora e vestido com belas peles. Prometeu a Sedna que, se ela o aceitasse em casamento, teria sempre uma tenda limpa e confortável, peles macias para dormir e a melhor carne que o Ártico pudesse dar. Disse ainda que garantiria o sustento de seu pai, enviando-lhe periodicamente a caça que a velhice já não lhe permitia obter com tanta fartura outrora. Encantada, Sedna aceitou a proposta e foi levada por seu novo marido para uma ilha distante. Lá, descobriu a dura verdade: o homem que parecia tão bonito e simpático despiu-se das peles e mostrou ser um fulmar (ave de rapina do Ártico) disfarçado. O marido-pássaro era cruel e de péssimo caráter, mantendo Sedna praticamente prisioneira. Dava-lhe para comer apenas restos de peixe cru e, como casa, uma tenda terrivelmente suja e cheia de furos por onde entrava o vento gelado. Sedna chorava todos os dias, e o vento levava seus lamentos para muito longe. Um dia, ao ouvir os gemidos de Sedna que chegavam com a ventania, seu pai resolveu visitá-la. Desconfiava que algo não andava bem, já que nunca recebera os alimentos que o marido-pássaro um dia prometera. Saiu então, em seu caiaque, remando pelo oceano gelado, em busca da ilha para onde a filha fora levada. Ao chegar perto, ouviu nitidamente os lamentos de Sedna e apressou as remadas. Chegando lá, encontrou a filha infeliz e maltratada. Como o marido-pássaro estava longe, o pai aproveitou para fugir com de Sedna no caiaque, rumando rapidamente para a aldeia nativa. Contudo, a viagem era longa. Em dado momento, pai e filha ouviram gritos e ruflar de asas. Era o marido-pássaro que, tendo descoberto a fuga, vinha furioso, seguido por outras aves de rapina, para buscar a esposa de volta. O pai tentou remar mais rápido, mas de nada adiantou: o marido-pássaro atacou o caiaque com violência e, tocando o mar com a ponta da asa, ordenou que ondas gigantescas se levantassem, tal como nas piores tempestades. A situação tornou-se desesperadora. Em pânico, o pai de Sedna percebeu que a única forma de salvar a pele seria livrando-se da filha, já que era a ela que o marido-pássaro queria. Então, para surpresa de Sedna, o velho caçador empurrou-a no mar, para que o marido a pegasse. Mas Sedna não tinha nenhuma intenção de morrer, nem de voltar para o terrível marido: com toda a força, agarrou-se com as mãos à lateral do caiaque, num esforço para voltar para bordo. O marido-pássaro ficou furioso e invocou novas ondas ainda maiores. O pai, cada vez mais desesperado, sacou então seu facão de caça e começou a cortar os dedos de Sedna, num esforço para obrigá-la a soltar o barco. Os dedos decepados da jovem foram caindo ao mar, um a um, e transformando-se nas espécies que até hoje habitam as águas do Ártico. Assim surgiram os peixes, as baleias, as focas, os elefantes-marinhos e os outros animais que servem de alimento para o povo Inuit. Depois de perder todos os dedos, Sedna não conseguiu mais manter-se agarrada ao caiaque. Lentamente afundou nas águas, enquanto as ondas se acalmavam e seu pai conseguia fugir. Mas Sedna não morreu. Desde então vive nos abismos do oceano profundo, onde se transformou na Deusa dos Mares. A fauna do Ártico é sua companhia constante. Quando os homens atentam contra a natureza, quando se deixam levar pelo ódio e pelos interesses mesquinhos, quando não amam seus semelhantes, o peso dos pecados do povo Inuit chega ao coração de Sedna, que se põe a soluçar. Então, todos os animais do Ártico se postam em torno dela, no fundo do oceano, o que faz faltar comida para os caçadores e pescadores. As ondas se levantam, agitadas, e o vento traz tempestades. Vem então uma época de desolação e fúria dos elementos, trazendo a fome para a comunidade. Para que as coisas voltem ao normal, faz-se necessário um ritual de purificação. É quando entra em cena a xamã da comunidade (uma mulher sábia e conhecedora dos segredos da natureza) que promove um rito em que todos confessam seus erros, penitenciando-se e fazendo promessas de não mais maltratar a terra em que vivem. Então, a xamã entra em transe e vai em busca de Sedna no fundo do oceano. Conversa docemente com a deusa, relatando o arrependimento e as promessas de seu povo. Depois desembaraça e penteia os cabelos negros de Sedna, retirando deles com cuidado as algas e os caranguejos. A deusa das águas vai se acalmando aos poucos e pára de chorar. Compadecida com os homens, libera mais uma vez os animais marinhos para que subam à superfície e se ofereçam como alimento.


Imagem: SEDNA, de Raine Walker.

4 de jan. de 2009

Caribay e as cinco águias brancas


Essa história faz parte da mitologia dos Mirripuyes (antiga tribo da região dos Andes venezuelanos). Integra uma coletânea de contos de tradição oral de vários povos, fruto de uma pesquisa temática que estou realizando e que aborda o tema 'paixão'. Tradução e adaptação de Sandra Baldessin.


Esta é a história de Caribay, a primeira mulher criada. Ela era filha do ardente Zuhé (o Sol) e da pálida Chía (a lua). Caribay era formosa, manifestava-se como um gênio das florestas aromáticas. Podia imitar perfeitamente o canto dos pássaros e suas companheiras eram as flores e as árvores, com as quais passava os dias em alegres brincadeiras.Certo dia, Caribay olhava o céu quando viu cinco esplêndidas águias brancas. A beleza de suas plumas despertou a paixão na linda jovem que começou a seguir as águias por todos os lugares, atravessando vales e montanhas, seguindo, incansável, as sombras das aves que se desenhavam no solo. Afinal, chegou a um lugar muito alto, e desse local pode ver que as águias desapareciam nas alturas azuladas do firmamento. A tristeza tomou conta do coração de Caribay, pois ela desejava ardentemente adornar-se com as plumas das águias. Então, Caribay ergueu a sua voz e clamou por Chía, sua mãe. Não demorou muito e as águias surgiram novamente diante de seus olhos úmidos de lágrimas. Enquanto as imponentes aves voavam harmoniosamente, Caribay cantava com toda doçura, para atraí-las. As águias, então, encantadas pelo som adorável do canto de Caribay, se quedaram, imóveis no ar. Carybay aproveitou essa imobilidade e correu até elas, para arrancar-lhes as penas, que sua paixão exigia que possuísse. Porém, um frio glacial petrificou suas mãos antes que ela pudesse alcançar as águias. Percebeu, então, que as aves, enfeitiçadas por sua voz, ao deixarem de voar ficaram enregeladas e converteram-se em cinco enormes massas de gelo. Caribay gritou, aterrorizada. Pouco depois, Chía se obscureceu e as cinco águias despertaram. Furiosas, sacudiram as suas penas imaculadas e, assim, toda a extensão da montanha se engalanou com a belíssima plumagem branca.Os blocos de gelo do qual se libertaram as águias originaram as incomparáveis serras nevadas da Mérida. As águias simbolizam os cinco picos eternamente cobertos de neve, que são as plumas congeladas das aves. As grandes e tempestuosas nevadas que ocorrem no local são um cerimonial da natureza, que relembra o furioso despertar das águias. O sibilar do vento que acompanha a fúria das nevadas representa a doçura e a tristeza do canto de Caribay.



Imagem escaneada de: Mitos e Leyendas de Lationoamerica.




3 de jan. de 2009

A Fábula da Verdade


Quando A Providência criou a mulher, criou também a Fantasia.

Um dia, a Verdade resolveu visitar um grande palácio. E tinha que ser justo o palácio onde morava o sultão Harun al-Rashid. Envoltas as lindas formas num véu claro e transparente, ela foi bater na porta do rico palácio em que vivia o glorioso senhor das terras muçulmanas. Ao ver aquela formosa mulher, quase nua, o chefe da guarda perguntou-lhe:- Quem é você?
- Sou a Verdade! - respondeu ela, com voz firme - Quero falar com o seu amo e senhor, o sultão Harun al-Rashid, Emir dos crentes!O chefe da guarda, que cuida da segurança do palácio, apressou-se em levar a nova ao grão-vizir.
- Senhor, - disse, inclinando-se humildemente, - uma mulher desconhecida, quase nua, quer falar ao nosso soberano.- Como se chama?- Chama-se Verdade!- A Verdade! - disse o grão-vizir espantado. - A Verdade quer penetrar neste palácio? Não! Nunca! Que seria de mim, que seria de todos nós, se a Verdade aqui entrasse? A perdição, a desgraça! Diga a ela que uma mulher nua, despudorada, não entra aqui!- Voltou o chefe da guarda com o recado do grão-vizir e disse à Verdade: - Aqui não pode entrar, minha filha. A sua nudez iria ofender nosso Califa. Volta, pelo caminho de onde veio.Porém, quando A Providência criou a mulher, criou também a Obstinação.E a Verdade continuou a alimentar o propósito de visitar um grande palácio. E tinha que ser justo o palácio onde morava o sultão Harun al-Rashid. Persistente, ela cobriu as peregrinas formas com um pano grosseiro como os que usam os mendigos e foi novamente bater na porta do suntuoso palácio em que vivia o glorioso senhor das terras muçulmanas. Ao ver aquela formosa mulher vestida tão grosseiramente com trapos, o chefe da guarda perguntou-lhe:- Quem é você?- Sou a Acusação! - respondeu ela, brava. - Quero falar ao seu amo e senhor, o sultão Harun al-Rashid, Comendador dos crentes! O chefe da guarda, que cuida da segurança do palácio, correu a entender-se com o grão-vizir: - senhor, - disse inclinando-se humildemente - Uma mulher desconhecida, com o corpo envolto em panos grosseiros, deseja falar ao nosso soberano.- Como se chama?- Chama-se Acusação!- A Acusação! – disse o grão-vizir, aterrorizado. Que seria de mim, que seria de todos nós, se a Acusação entrasse aqui? A perdição, a desgraça! Diga a ela que aqui não, aqui não pode entrar! Diga-lhe que uma mulher, vestida com panos grosseiros, não pode falar ao nosso amo e senhor! - Voltou o chefe da guarda com a proibição do grão-vizir e disse à Verdade:- Aqui você não pode entrar, minha filha. Com estas roupas rasgadas, próprias de um beduíno rude e pobre, não podes falar ao nosso amo e senhor, o sultão Harun al-Rashid! Volta, em paz, pelo caminho de onde veio.Vendo que não conseguiria realizar seu intento, ficou ainda mais triste a Verdade, e afastou-se vagarosamente do grande palácio do poderoso senhor.Mas...Quando A Providência criou a mulher, criou também o Capricho.E a Verdade encheu-se do vivo desejo de visitar um grande palácio. E tinha que ser justo o palácio onde morava o sultão Harun al-Rashid.Vestiu-se com riquíssimos trajes, cobriu-se com jóias e adornos, envolveu o rosto em um manto de seda e foi bater à porta do palácio em que vivia o glorioso senhor dos árabes.Ao ver aquela encantadora mulher, linda como a quarta lua do mês do Ramadã, o chefe da guarda perguntou-lhe:- Quem é você?- Sou a Fábula! - respondeu ela, em tom meigo. - Quero falar com o sultão Harun al-Rashid, Emir dos crentes!O chefe da guarda, que cuida da segurança do palácio, correu a entender-se com o grão-vizir.- Senhor, disse, inclinando-se humilde, uma linda e encantadora mulher, vestida como uma princesa, solicita a audiência de nosso amo e senhor, o sultão Harun al-Rashid, Emir dos crentes!- Como se chama?- Chama-se Fábula!- A Fábula! Disse o grão-vizir, cheio de alegria. - A Fábula quer entrar neste palácio? Que entre! Bendita seja a encantadora Fábula. Cem formosas escravas irão recebê-la, com flores e perfumes. Quero que a fábula tenha, neste palácio, a acolhida digna de uma verdadeira rainha!E foram abertas as portas do grande palácio de Bagdá e a formosa peregrina entrou. E foi assim que, vestida de Fábula, a Verdade conseguiu entrar no grande palácio do poderoso Califa de Bagdá, o sultão Harun al-Rashid, Principe de todos os crentes.
Imagem: Mitologia egípcia - Maat, a deusa da verdade

14 de dez. de 2008

De onde vieram as histórias?


Kwaku Ananse, o Homem Aranha, queria comprar as histórias de Nyame o Deus do Céu, para contar ao povo de sua aldeia, então por isso um dia, ele teceu uma imensa teia de prata que ia do céu até o chão e por ela subiu. Quando Nyame ouviu Ananse dizer que queria comprar as suas histórias, ele riu muito e falou:
O preço de minhas histórias, Ananse, é que você me traga Osebo, o leopardo de dentes terríveis, Mmboro os marimbondos que picam como fogo, e Moatia a fada que nenhum homem viu.
Ele pensava que, com isso, faria Ananse desistir da idéia, mas ele apenas respondeu:
Pagarei seu preço com prazer, ainda lhe trago Ianysiá, minha velha mãe, sexta filha de minha avó.
Novamente o Deus do Céu riu muito e falou:
Ora Ananse, como pode um velho fraco como você, tão pequeno, tão pequeno, tão pequeno, pagar o meu preço?
Mas Ananse nada respondeu, apenas desceu por sua teia de prata que ia do Céu até o chão para pegar as coisas que Deus exigia. E correu por toda a selva até que encontrou Osebo, leopardo de dentes terríveis.
Aha, Ananse! Você chegou na hora certa para ser o meu almoço.
O que tiver de ser será, disse Ananse. Mas primeiro, vamos brincar do jogo de amarrar?
O leopardo que adorava jogos, logo se interessou.
Como se joga este jogo?
Com cipós, eu amarro você pelo pé e pelo pé com o cipó, depois desamarro, aí, é a sua vez de me amarrar. Ganha quem amarrar e desamarrar mais depressa.
Muito bem – rosnou o leopardo que planejava devorar o Homem Aranha assim que o amarrasse.
Ananse, então, amarrou Osebo pelo pé, pelo pé, pelo pé e pelo pé, e quando ele estava bem preso, pendurou-o amarrado a uma árvore dizendo:
Agora Osebo, você está pronto para encontrar Nyame o Deus do Céu.
Aí, Ananse cortou uma folha de bananeira, encheu uma cabaça com água e atravessou o mato alto até a casa de Mmboro. Lá chegando, colocou a folha de bananeira sobre sua cabeça, derramou um pouco de água sobre si, e o resto sobre a casa de Mmboro dizendo:
Está chovendo, chovendo, chovendo, vocês não gostariam de entrar na minha cabaça para que a chuva não estrague suas asas?
Muito obrigado! Muito obrigado! – zumbiram os marimbondos entrando para dentro da cabaça que Ananse tampou rapidamente.
O Homem Aranha, então, pendurou a cabaça na árvore junto a Osebo dizendo:
Agora MMmboro, você está pronto para encontrar Nyame o Deus do Céu.
Depois, ele esculpiu uma boneca de madeira, cobriu-a de cola da cabeça aos pés, e colocou-a aos pés de um flamboyant onde as fadas costumam dançar. À sua frente, colocou uma tigela de inhame assado, amarrou a ponta de um cipó em sua cabeça, e foi se esconder atrás de um arbusto próximo, segurando a outra ponta do cipó, e esperou. Minutos depois, chegou Moatia, a fada que nenhum homem viu. Ela veio dançando, dançando, dançando, como só as fadas africanas sabem dançar, até aos pés do flamboyant. Lá, ela avistou a boneca e a tigela de inhame.
Bebê de borracha – disse a fada – estou com tanta fome, poderia dar-me um pouco de seu inhame?
Ananse puxou a sua ponta do cipó para que parecesse que a fada dizia sim com a cabeça, a fada, então, comeu tudo, depois agradeceu:
Muito obrigada bebê de borracha.
Mas a boneca nada respondeu, a fada, então, ameaçou:
Bebê de borracha, se você não me responde, eu vou te bater.
E como a boneca continuasse parada, deu-lhe um tapa ficando com sua mão presa na sua bochecha cheia de cola. Mais irritada ainda, a fada ameaçou de novo:
Bebê de borracha, se você não me responde, eu vou lhe dar outro tapa.
E como a boneca continuasse parada, deu-lhe um tapa ficando agora, com as duas mãos presas. Mais irritada ainda, a fada tentou livrar-se com os pés, mas eles também ficaram presos. Ananse então, saiu de trás do arbusto, carregou a fada até a árvore onde estavam Osebo e Mmboro dizendo:
Agora Moatia, você está pronta para encontrar Nyame o Deus do Céu.
Aí, ele foi a casa de Ianysiá sua velha mãe, sexta filha de sua avó e disse:
Ianysiá venha comigo vou dá-la a Nyame em troca de suas histórias.
Depois, ele teceu uma imensa teia de prata em volta do leopardo, dos marimbondos e da fada, e uma outra que ia do chão até o Céu e por ela subiu carregando seus tesouros até os pés do trono de Nyame.
Ave Nyame! – disse ele – aqui está o preço que você pede por suas histórias: Osebo, o leopardo de dentes terríveis, Mmboro, os marimbondos que picam como fogo e Moatia a fada que nenhum homem viu. Ainda lhe trouxe Ianysiá minha velha mãe, sexta filha de minha avó.
Nyame ficou maravilhado, e chamou todos de sua corte dizendo:
O pequeno Ananse trouxe o preço que peço por minhas histórias, de hoje em diante, e para sempre, elas pertencem a Ananse e serão chamadas de histórias do Homem Aranha! Cantem em seu louvor!
Ananse, maravilhado, desceu por sua teia de prata levando consigo o baú das histórias até o povo de sua aldeia, e quando ele abriu o baú, as histórias se espalharam pelos quatro cantos do mundo vindo chegar até aqui.



História adaptada por Maria Clara Cavalcante, do grupo Confabulando.
Image disponível em: http://www2.scholastic.com

27 de jun. de 2008

Encontro com Sherazade

Encontro com Sherazade


O II Encontro Nacional de Contadores de Histórias vai acontecer em Santa Bárbara/SP, entre os dias 17 e 20 de julho. As inscrições são gratuitas e incluem hospedagem e alimentação.
Eis a programação:
17 de Julho (quinta-feira)
Local: Usina Santa Bárbara- Rodovia Luiz Ometo, km 05 (Ao lado da Câmara Municipal- Rodovia Santa Bárbara/Iracemápolis)16:00 – Início, cadastro, Chá da tarde - apresentação do Encontro.17:00- 20:00 – Oficina 01: “Oficina de Escrever Histórias” - Carlos Sereno (São Paulo – SP)Oficina 02: “Oficina Histórias com Sombras” - Valter Valverde (São Paulo - SP)21:00 – Alojamento - jantar

18 de Julho (sexta-feira)
Manhã: Tempo para conhecer a cidade (livre)12:30 – Almoço14:00 – 15:00– Dinâmicas no alojamentoLocal: Usina Santa Bárbara16:00 – Início, cadastro, chá da tarde.17:00 – Lançamento do livro “Caju, uma história de amor”, de Carmelina Piza (Piracicaba-SP)18:00 - Roda da conversa - “Dedo de Prosa” apresentação dos Contadores participantes19:00 - Abertura Oficial _ apresentações, fala do Secretário, organizadores e autoridades.20:00 – Viajantes do Tempo _ boas vindas da Fundadora Dona Margarida e do Coronel Willian Norris, 1º imigrante norte americano com Amauri de Oliveira e Roberto Isler da Cia Xekmat (Sta. Bárbara d’Oeste-SP)20:30 – Atração : “A Biblioteca Mágica” - Amauri Alves (São Vicente – SP)21:30 - Coquetel22:00 – Ida ao alojamento

19 de julho (sábado)
Alojamento:8:00 – Café da manhã9:00 ás 12:00 – “Deixa Que Eu Conto” – contação de histórias nas bibliotecas e praças dos bairros.(contadores participantes)12:30 ás 14:00 – almoço14:30 às 17:30 – na Usina Santa Bárbara –Oficinas: Oficina 03: Ana Luisa Lacombe (São Paulo – SP)Oficina 04: “Caminhando, cantando e contando histórias” - Marília Tresca(São Paulo – SP)Oficina 05: “A Arte de Encantar” - Cristina Lazareti (Americana – SP)Oficina 06: Hélio Leites (Curitiba _PR)16:00 – Chá da tarde20:30 – Jantar21:30 – Alojamento – “Conte que eu conto” – Trocas de experiências (contadores participantes)

20 de julho (domingo)8:00 – Alojamento – Café da manhã10:00 – Ida à “Casa Encantada”-(Av. da saudade, 707-vila Grego) Projeto piloto de espaço de contação de histórias da Cia Xekmat12:00 às 13:30 – almoço14:00 – “Contos no Parque” (contadores voluntários participantes) – Local: Parque dos Ipês- R.. Corifeu Azevedo marque, s/nº- ou Teatro Municipal- r. João XIII, 61-centro(caso chova)16:30 – Encerramento oficial – Espetáculo: “Boca Cheia de Histórias” com Zé Bocca (Votorantim – SP) Local: Parque dos Ipês ou Teatro Municipal (caso chova)
Contato:e-mail: cultura@santabarbara.sp.gov.brTel: (19) 3455-2473 (Secretaria de Cultura)Cel: (19) 9783-0969 (Secretário de cultura)Cel: (19) 9767-2582 (19) 9283-2033 (Cia Xekmat)


25 de jun. de 2008

A mulata de Córdoba*



Diz uma antiga lenda que, há quase três séculos, vivia na cidade de Córdoba uma mulher muito formosa**, que jamais envelhecia, a despeito do passar dos anos. Todos a chamavam de ‘Mulata’, por causa da cor de sua pele, dourada pelo sol. Além do mais, corria a fama de que esta mulher era advogada das causas impossíveis: as moças que não tinham prazer no sexo, os homens que perderam o vigor, os trabalhadores sem emprego, as pessoas com enfermidades graves, todos a procuravam para resolver seus problemas e, a todos eles, a Mulata atendia.
Acontece que os homens ficavam presos por sua formosura e disputavam entre si para ver qual conquistaria o seu coração. Ela, porém, não correspondia a nenhum deles, pelo contrário, os desdenhava. Todos comentavam os poderes da Mulata e diziam que era uma bruxa, uma poderosa feiticeira. Algumas pessoas garantiam que já haviam surpreendido a Mulata voando sobre os telhados, sem falar nos seus belos olhos negros, que, segundo diziam, despediam miradas diabólicas ao mesmo tempo em que a bela sorria com seus lábios vermelhos e dentes muito brancos.
Falavam a boca pequena que a Mulata tinha pacto com Satã e o recebia em sua casa. Quando ele a visitava, sempre depois da meia-noite, quem passasse defronte à casa da bruxa veria claramente uma luz sinistra brilhando por entre as rendas do cortinado e pelas frestas da porta: uma luz infernal, como se dentro da casa estivesse ocorrendo um grande incêndio. A fama daquela mulher ultrapassava fronteiras, era imensa! Até canções populares cantavam os seus prodígios.
Ninguém sabe ao certo por quanto tempo essas histórias circularam, aumentando a fama da Mulata. O que todos dão por certo é que, um certo dia, foi levada da cidade de Córdoba e conduzida, presa, pelo Tribunal da Inquisição, até a cidade imperial, acusada de bruxaria e satanismo.
Conta-se que, na manhã do dia em que deveria ser executada o carcereiro entrou no calabouço onde estava acorrentada, e ficou surpreso ao ver que em uma das paredes da cela a Mulata desenhara um navio. Ela sorriu e lhe perguntou: “Bom dia, carcereiro, podes me dizer o que falta neste navio?” O pobre-diabo respondeu com uma imprecação: “Tu és uma desgraçada! Se te arrependesses, não irias agora morrer!”
Ela, porém, insistiu: “Anda, diz-me o que falta a este navio”. Intrigado com a pergunta, o carcereiro respondeu: “Claro está que falta um mastro.” Ao que a Mulata prontamente retrucou: “Se um mastro lhe falta, um mastro ele terá!” O carcereiro se retirou da cela com o coração cheio de confusão, não conseguia entender as palavras enigmáticas da Mulata.Por volta do meio-dia, o carcereiro voltou à cela e contemplou admirado o desenho. “E agora, carcereiro, o que falta ao navio?” Perguntou a bela mulher. Mais uma vez ele exortou-a: “Desafortunada mulher, se queres salvar tua alma das chamas do inferno, ajoelha e suplica o perdão perante a Santa Inquisição, encarregada de te julgar. O que pretendes com tais perguntas? Está claro que ao navio faltam as velas. Imediatamente a mulher replicou: “Se as velas lhe faltam, as velas ele terá!”
Mais uma vez o carcereiro se retirou, abismado com aquela misteriosa mulher que, nas últimas horas de vida que lhe restavam, desperdiçava o tempo desenhando, sem temor da morte. Quando caiu a tarde, hora em que se cumpriria o destino da Mulata, estando tudo preparado para sua execução, o carcereiro entrou pela terceira vez em sua cela. Ela aguardava-o, sorridente, de tal forma que sua beleza exuberante mais se destacava no cenário feio e sujo do calabouço. Perguntou-lhe: E agora, o que falta ao meu navio? O homem, aflito, gritou: “Infeliz mulher, põe tua alma nas mãos de Deus Nosso Senhor e arrepende-te dos teus pecados. A este navio, a única coisa que falta é navegar, está perfeito!”
A Mulata, mais bela que nunca, respondeu, exultante: “Pois se Vossa Mercê o deseja com toda força de sua vontade, o meu navio navegará!” Dito isto, sob o olhar aterrado do carcereiro, a Mulata, tão veloz quanto o vento que começou a soprar, saltou para o navio e este começou a se mover, primeiro lenta, e, depois, muito rapidamente, a toda vela, e em questão de minutos desapareceu, levando a formosa prisioneira.O homem caiu de joelhos, imobilizado pela surpresa, seus olhos saltavam das órbitas, sua boca não poderia estar mais aberta e seus cabelos estavam em pé! Ninguém jamais voltou a colocar os olhos na Mulata. Todos imaginam que esteja com o demônio.




*Recentemente descobri que, na década de 1940, foi gravado um filme com esse mesmo título, inspirado na lenda.

** Imagem captada em: http://embrujando.iespana.es

23 de jun. de 2008

A camisa do homem feliz


Era uma vez um rei, cujos domínos se estendiam por terras tão longínquas que se costumava dizer que em seu reino o sol jamais se punha. Este rei tinha riquezas imensuráveis: os mais belos diamantes que já saíram das minas; os mais produtivos pomares, cujos frutos possuíam a doçura do mel; o gado que vivia em seus pastos era viçoso e se reproduzia extraordinariamente.

Tudo que o rei desejasse, imediatamente um súdito aparecia para satisfazê-lo, pois para coroar sua boa fortuna, ele ainda contava com o amor de seu povo, que ele governava com mansidão, coisa rara naqueles tempos.

Tudo estaria perfeito, não fosse o fato de o rei ter um filho, um jovem forte e bonito, criado com as mais finas iguarias que as terras reais produziam, sempre trajado com as mais ricas sedas e tafetás e ornado de jóias especialmente desenhadas para ele. Apesar de todo este garbo, o filho do rei era um jovem triste, de uma tristeza que tira o brilho dos olhos, faz a pele amarelar e os cantos dos lábios ficarem caídos.

Todos os médicos afamados que viviam no extenso domínio do reino foram chamados. E nada da tristeza do jovem príncipe ser curada. Tentaram de tudo: poções feitas com ervas quase desconhecidas, invenções de alquimistas, benzimentos e tudo o mais que o engenho humano pudesse conceber. O rei percebeu que se aquela tristeza não fosse debelada o seu filho morreria.

Certo dia, quando todos no palácio já desesperavam, uma mulher de idade muito avançada apareceu nos portões, pedindo, por favor, um caldo quente que ajudasse a aquecer o seu velho corpo. Ela ouviu falar da doença do príncipe. Segredou à cozinheira que só uma coisa poderia curar o jovem: deveriam vesti-lo com a camisa de um homem feliz, cuja felicidade viesse do âmago e pudesse ser comprovada.

Então, o rei decidiu dar uma enorme festa, que duraria o prazo de seis meses, para que todos os nobres e o povo, todos os seus súditos viessem ter ao palácio e, assim, o rei descobriria um ser verdadeiramente feliz, compraria sua camisa e a vestiria no filho que morria lentamente, salvando-o.

A empreitada animou a todos, criou-se uma estratégia de investigação. Desse modo, a cada pessoa que chegava à festa o rei ou um seu encarregado perguntava: "E então, senhor duque, está feliz com seu ducado, com seus pastos e negócios?" Um a um, todos respodniam que sim, estavam felizes. Então, se propunha a estas pessoas: "E não quer vir morar no palácio, desfrutar de todos os tesouros do rei?" E a resposta gelava o coração do rei: "Claro que sim, então eu seria verdadeiramente feliz".

Os meses se passaram e ninguém conseguiu satisfazer a condição de felicidade proposta pela velha mulher. O rei, angustiado com a perda iminente do filho, que já estava só pele e osso, saiu a passear no campo, nos arredores do palácio. Repentinamente, ouviu um homem cantando a plenos pulmões, uma melodia tão alegre que até o sol brilhava mais intensamente. Um frêmito de esperança encheu o coração do rei e ele seguiu na direção daquela voz.

Viu um homem que cuidava do rebanho, sorridente, vestido de um casaco grosseiro que o ajudava a se proteger do frio rigoroso. O Rei se aproximou e, apresentando-se, fez logo a pergunta: "E então, meu jovem, quer vir morar no meu palácio, desfrutar os meus tesouros?" Qual não foi sua surpresa quando o jovem respondeu: "Qual nada, Majestade, que tesouros o senhor poderia me oferecer que eu já não tenha?"
Imediatamente o rei puxou-lhe o casacão e já ofereceu: vou lhe dar um baú de moedas de ouro em troca de sua camisa. Nesse momento, o jovem gargalhou mais fortemente, ao mesmo tempo em que o rei constatava que o homem mais perfeitamnete feliz, sequer tinha uma camisa!

20 de jun. de 2008

Naipi e Tarobá


Há séculos, às margens do Rio Iguaçu vivia a tribo dos Caingangues*. A terra não tinha fronteiras como hoje a conhecemos, dividida entre Brasil e Argentina. Os caingangues amavam o rio que lhes oferecia o sustento. Eles serviam com temor ao deus Mboi – gigantesca serpente que habitava as profundezas do rio Iguaçu. O deus Mboi, para abençoá-los, exigia que lhe entregassem as indiazinhas mais bonitas da aldeia. Numa cerimônia muito triste, as índias ornamentadas com flores, como noivas, despediam-se de suas famílias e, depois, eram levadas de canoa até o meio do rio. Ali, saltavam para as águas escuras e passavam o resto de suas vidas servindo a Mboi. Os anos passavam e nada mudava. Certa vez, uma índia já velha pariu uma filha às margens do Iguaçu. Naipi cresceu para tornar-se a mais bela jovem que já fora vista pelos olhos dos caingangues. Seus olhos possuíam as nuances das Grandes Águas quando iluminadas pela luz do sol ou da lua. Sua formosura era tanta que, quando ela se mirava no rio, as águas paravam para admirá-la. Um dia, quando ela se banhava, Mboi a viu e seu coração estremeceu: aquela era a mais linda de todas as mulheres! Imediatamente, ordenou que a entregassem a ele. Que pena! Todos na aldeia ficaram angustiados, mas não havia outro jeito: seria necessário sacrificar a jovem. Naipi estava prometida para um jovem guerreiro, Tarobá. Eles se amavam de todo coração e o sofrimento por saber da iminente separação os deixou em profunda agonia, porque Naipi não ousava pedir que a tribo desobedecesse ao deus, por medo de que ele os castigasse a todos.Naipi e Tarobá decidiram, então, atrair para si mesmos a ira de Mboi e resolveram fugir, esperando que o amor que sentiam um pelo outro fosse maior que o poder de Mboi. Era tempo das cheias e a única rota de fuga possível era justamente pelo domínio do deus-serpente: o rio Iguaçu. O monstro percebeu a fuga e enfureceu-se muito, perseguindo os dois jovens apaixonados. Apesar de ser grande e poderoso, de repente Mboi viu que Tarobá e Naipi conseguiriam escapar em direção ao rio Paraná. Assim, num esforço supremo, ele ergueu seu imenso corpo, produzindo um som ensurdecedor pelo deslocamento das águas; em seguida, deixou-se cair com estrondo, criando uma enorme fenda no rio Iguaçu, que, devido ao impacto, teve sua extensão toda fendida em abismais catadupas. Surgiram, assim, as esplêndidas Cataratas do Iguaçu, cuja beleza pungente só pode ser comparada à formosura da face de Naipi e cuja força só se mede pelo amor dos dois jovens. A canoa que os levava foi tragada pelas águas e desapareceu. Como castigo, Naipi foi transformada em uma das grandes rochas centrais das Cataratas; e Tarobá foi transformado em uma árvore, à beira da cachoeira. Um via o outro, mas jamais poderiam se tocar novamente. Dizem que Mboi está lá até hoje, escondido pela espuma das águas, vigiando os dois índios apaixonados...
(Versão autoral de Sandra Baldessin, a partir do relato de uma índia artesã, encontrada no "Parque del Iguazu", em Puerto Iguazu, Argentina; fotografia feita por mim, em março de 2007).
*Os caingangues, ou kaingang, são indígenas brasileiros, originários do norte do Paraná. Hoje, estão distribuídos em reservas nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A língua dos caingangues pertence à família Jê, do tronco Macro-Jê. Para saber mais, clique aqui.