27 de jun. de 2008

Encontro com Sherazade

Encontro com Sherazade


O II Encontro Nacional de Contadores de Histórias vai acontecer em Santa Bárbara/SP, entre os dias 17 e 20 de julho. As inscrições são gratuitas e incluem hospedagem e alimentação.
Eis a programação:
17 de Julho (quinta-feira)
Local: Usina Santa Bárbara- Rodovia Luiz Ometo, km 05 (Ao lado da Câmara Municipal- Rodovia Santa Bárbara/Iracemápolis)16:00 – Início, cadastro, Chá da tarde - apresentação do Encontro.17:00- 20:00 – Oficina 01: “Oficina de Escrever Histórias” - Carlos Sereno (São Paulo – SP)Oficina 02: “Oficina Histórias com Sombras” - Valter Valverde (São Paulo - SP)21:00 – Alojamento - jantar

18 de Julho (sexta-feira)
Manhã: Tempo para conhecer a cidade (livre)12:30 – Almoço14:00 – 15:00– Dinâmicas no alojamentoLocal: Usina Santa Bárbara16:00 – Início, cadastro, chá da tarde.17:00 – Lançamento do livro “Caju, uma história de amor”, de Carmelina Piza (Piracicaba-SP)18:00 - Roda da conversa - “Dedo de Prosa” apresentação dos Contadores participantes19:00 - Abertura Oficial _ apresentações, fala do Secretário, organizadores e autoridades.20:00 – Viajantes do Tempo _ boas vindas da Fundadora Dona Margarida e do Coronel Willian Norris, 1º imigrante norte americano com Amauri de Oliveira e Roberto Isler da Cia Xekmat (Sta. Bárbara d’Oeste-SP)20:30 – Atração : “A Biblioteca Mágica” - Amauri Alves (São Vicente – SP)21:30 - Coquetel22:00 – Ida ao alojamento

19 de julho (sábado)
Alojamento:8:00 – Café da manhã9:00 ás 12:00 – “Deixa Que Eu Conto” – contação de histórias nas bibliotecas e praças dos bairros.(contadores participantes)12:30 ás 14:00 – almoço14:30 às 17:30 – na Usina Santa Bárbara –Oficinas: Oficina 03: Ana Luisa Lacombe (São Paulo – SP)Oficina 04: “Caminhando, cantando e contando histórias” - Marília Tresca(São Paulo – SP)Oficina 05: “A Arte de Encantar” - Cristina Lazareti (Americana – SP)Oficina 06: Hélio Leites (Curitiba _PR)16:00 – Chá da tarde20:30 – Jantar21:30 – Alojamento – “Conte que eu conto” – Trocas de experiências (contadores participantes)

20 de julho (domingo)8:00 – Alojamento – Café da manhã10:00 – Ida à “Casa Encantada”-(Av. da saudade, 707-vila Grego) Projeto piloto de espaço de contação de histórias da Cia Xekmat12:00 às 13:30 – almoço14:00 – “Contos no Parque” (contadores voluntários participantes) – Local: Parque dos Ipês- R.. Corifeu Azevedo marque, s/nº- ou Teatro Municipal- r. João XIII, 61-centro(caso chova)16:30 – Encerramento oficial – Espetáculo: “Boca Cheia de Histórias” com Zé Bocca (Votorantim – SP) Local: Parque dos Ipês ou Teatro Municipal (caso chova)
Contato:e-mail: cultura@santabarbara.sp.gov.brTel: (19) 3455-2473 (Secretaria de Cultura)Cel: (19) 9783-0969 (Secretário de cultura)Cel: (19) 9767-2582 (19) 9283-2033 (Cia Xekmat)


25 de jun. de 2008

A mulata de Córdoba*



Diz uma antiga lenda que, há quase três séculos, vivia na cidade de Córdoba uma mulher muito formosa**, que jamais envelhecia, a despeito do passar dos anos. Todos a chamavam de ‘Mulata’, por causa da cor de sua pele, dourada pelo sol. Além do mais, corria a fama de que esta mulher era advogada das causas impossíveis: as moças que não tinham prazer no sexo, os homens que perderam o vigor, os trabalhadores sem emprego, as pessoas com enfermidades graves, todos a procuravam para resolver seus problemas e, a todos eles, a Mulata atendia.
Acontece que os homens ficavam presos por sua formosura e disputavam entre si para ver qual conquistaria o seu coração. Ela, porém, não correspondia a nenhum deles, pelo contrário, os desdenhava. Todos comentavam os poderes da Mulata e diziam que era uma bruxa, uma poderosa feiticeira. Algumas pessoas garantiam que já haviam surpreendido a Mulata voando sobre os telhados, sem falar nos seus belos olhos negros, que, segundo diziam, despediam miradas diabólicas ao mesmo tempo em que a bela sorria com seus lábios vermelhos e dentes muito brancos.
Falavam a boca pequena que a Mulata tinha pacto com Satã e o recebia em sua casa. Quando ele a visitava, sempre depois da meia-noite, quem passasse defronte à casa da bruxa veria claramente uma luz sinistra brilhando por entre as rendas do cortinado e pelas frestas da porta: uma luz infernal, como se dentro da casa estivesse ocorrendo um grande incêndio. A fama daquela mulher ultrapassava fronteiras, era imensa! Até canções populares cantavam os seus prodígios.
Ninguém sabe ao certo por quanto tempo essas histórias circularam, aumentando a fama da Mulata. O que todos dão por certo é que, um certo dia, foi levada da cidade de Córdoba e conduzida, presa, pelo Tribunal da Inquisição, até a cidade imperial, acusada de bruxaria e satanismo.
Conta-se que, na manhã do dia em que deveria ser executada o carcereiro entrou no calabouço onde estava acorrentada, e ficou surpreso ao ver que em uma das paredes da cela a Mulata desenhara um navio. Ela sorriu e lhe perguntou: “Bom dia, carcereiro, podes me dizer o que falta neste navio?” O pobre-diabo respondeu com uma imprecação: “Tu és uma desgraçada! Se te arrependesses, não irias agora morrer!”
Ela, porém, insistiu: “Anda, diz-me o que falta a este navio”. Intrigado com a pergunta, o carcereiro respondeu: “Claro está que falta um mastro.” Ao que a Mulata prontamente retrucou: “Se um mastro lhe falta, um mastro ele terá!” O carcereiro se retirou da cela com o coração cheio de confusão, não conseguia entender as palavras enigmáticas da Mulata.Por volta do meio-dia, o carcereiro voltou à cela e contemplou admirado o desenho. “E agora, carcereiro, o que falta ao navio?” Perguntou a bela mulher. Mais uma vez ele exortou-a: “Desafortunada mulher, se queres salvar tua alma das chamas do inferno, ajoelha e suplica o perdão perante a Santa Inquisição, encarregada de te julgar. O que pretendes com tais perguntas? Está claro que ao navio faltam as velas. Imediatamente a mulher replicou: “Se as velas lhe faltam, as velas ele terá!”
Mais uma vez o carcereiro se retirou, abismado com aquela misteriosa mulher que, nas últimas horas de vida que lhe restavam, desperdiçava o tempo desenhando, sem temor da morte. Quando caiu a tarde, hora em que se cumpriria o destino da Mulata, estando tudo preparado para sua execução, o carcereiro entrou pela terceira vez em sua cela. Ela aguardava-o, sorridente, de tal forma que sua beleza exuberante mais se destacava no cenário feio e sujo do calabouço. Perguntou-lhe: E agora, o que falta ao meu navio? O homem, aflito, gritou: “Infeliz mulher, põe tua alma nas mãos de Deus Nosso Senhor e arrepende-te dos teus pecados. A este navio, a única coisa que falta é navegar, está perfeito!”
A Mulata, mais bela que nunca, respondeu, exultante: “Pois se Vossa Mercê o deseja com toda força de sua vontade, o meu navio navegará!” Dito isto, sob o olhar aterrado do carcereiro, a Mulata, tão veloz quanto o vento que começou a soprar, saltou para o navio e este começou a se mover, primeiro lenta, e, depois, muito rapidamente, a toda vela, e em questão de minutos desapareceu, levando a formosa prisioneira.O homem caiu de joelhos, imobilizado pela surpresa, seus olhos saltavam das órbitas, sua boca não poderia estar mais aberta e seus cabelos estavam em pé! Ninguém jamais voltou a colocar os olhos na Mulata. Todos imaginam que esteja com o demônio.




*Recentemente descobri que, na década de 1940, foi gravado um filme com esse mesmo título, inspirado na lenda.

** Imagem captada em: http://embrujando.iespana.es

23 de jun. de 2008

A camisa do homem feliz


Era uma vez um rei, cujos domínos se estendiam por terras tão longínquas que se costumava dizer que em seu reino o sol jamais se punha. Este rei tinha riquezas imensuráveis: os mais belos diamantes que já saíram das minas; os mais produtivos pomares, cujos frutos possuíam a doçura do mel; o gado que vivia em seus pastos era viçoso e se reproduzia extraordinariamente.

Tudo que o rei desejasse, imediatamente um súdito aparecia para satisfazê-lo, pois para coroar sua boa fortuna, ele ainda contava com o amor de seu povo, que ele governava com mansidão, coisa rara naqueles tempos.

Tudo estaria perfeito, não fosse o fato de o rei ter um filho, um jovem forte e bonito, criado com as mais finas iguarias que as terras reais produziam, sempre trajado com as mais ricas sedas e tafetás e ornado de jóias especialmente desenhadas para ele. Apesar de todo este garbo, o filho do rei era um jovem triste, de uma tristeza que tira o brilho dos olhos, faz a pele amarelar e os cantos dos lábios ficarem caídos.

Todos os médicos afamados que viviam no extenso domínio do reino foram chamados. E nada da tristeza do jovem príncipe ser curada. Tentaram de tudo: poções feitas com ervas quase desconhecidas, invenções de alquimistas, benzimentos e tudo o mais que o engenho humano pudesse conceber. O rei percebeu que se aquela tristeza não fosse debelada o seu filho morreria.

Certo dia, quando todos no palácio já desesperavam, uma mulher de idade muito avançada apareceu nos portões, pedindo, por favor, um caldo quente que ajudasse a aquecer o seu velho corpo. Ela ouviu falar da doença do príncipe. Segredou à cozinheira que só uma coisa poderia curar o jovem: deveriam vesti-lo com a camisa de um homem feliz, cuja felicidade viesse do âmago e pudesse ser comprovada.

Então, o rei decidiu dar uma enorme festa, que duraria o prazo de seis meses, para que todos os nobres e o povo, todos os seus súditos viessem ter ao palácio e, assim, o rei descobriria um ser verdadeiramente feliz, compraria sua camisa e a vestiria no filho que morria lentamente, salvando-o.

A empreitada animou a todos, criou-se uma estratégia de investigação. Desse modo, a cada pessoa que chegava à festa o rei ou um seu encarregado perguntava: "E então, senhor duque, está feliz com seu ducado, com seus pastos e negócios?" Um a um, todos respodniam que sim, estavam felizes. Então, se propunha a estas pessoas: "E não quer vir morar no palácio, desfrutar de todos os tesouros do rei?" E a resposta gelava o coração do rei: "Claro que sim, então eu seria verdadeiramente feliz".

Os meses se passaram e ninguém conseguiu satisfazer a condição de felicidade proposta pela velha mulher. O rei, angustiado com a perda iminente do filho, que já estava só pele e osso, saiu a passear no campo, nos arredores do palácio. Repentinamente, ouviu um homem cantando a plenos pulmões, uma melodia tão alegre que até o sol brilhava mais intensamente. Um frêmito de esperança encheu o coração do rei e ele seguiu na direção daquela voz.

Viu um homem que cuidava do rebanho, sorridente, vestido de um casaco grosseiro que o ajudava a se proteger do frio rigoroso. O Rei se aproximou e, apresentando-se, fez logo a pergunta: "E então, meu jovem, quer vir morar no meu palácio, desfrutar os meus tesouros?" Qual não foi sua surpresa quando o jovem respondeu: "Qual nada, Majestade, que tesouros o senhor poderia me oferecer que eu já não tenha?"
Imediatamente o rei puxou-lhe o casacão e já ofereceu: vou lhe dar um baú de moedas de ouro em troca de sua camisa. Nesse momento, o jovem gargalhou mais fortemente, ao mesmo tempo em que o rei constatava que o homem mais perfeitamnete feliz, sequer tinha uma camisa!

20 de jun. de 2008

Naipi e Tarobá


Há séculos, às margens do Rio Iguaçu vivia a tribo dos Caingangues*. A terra não tinha fronteiras como hoje a conhecemos, dividida entre Brasil e Argentina. Os caingangues amavam o rio que lhes oferecia o sustento. Eles serviam com temor ao deus Mboi – gigantesca serpente que habitava as profundezas do rio Iguaçu. O deus Mboi, para abençoá-los, exigia que lhe entregassem as indiazinhas mais bonitas da aldeia. Numa cerimônia muito triste, as índias ornamentadas com flores, como noivas, despediam-se de suas famílias e, depois, eram levadas de canoa até o meio do rio. Ali, saltavam para as águas escuras e passavam o resto de suas vidas servindo a Mboi. Os anos passavam e nada mudava. Certa vez, uma índia já velha pariu uma filha às margens do Iguaçu. Naipi cresceu para tornar-se a mais bela jovem que já fora vista pelos olhos dos caingangues. Seus olhos possuíam as nuances das Grandes Águas quando iluminadas pela luz do sol ou da lua. Sua formosura era tanta que, quando ela se mirava no rio, as águas paravam para admirá-la. Um dia, quando ela se banhava, Mboi a viu e seu coração estremeceu: aquela era a mais linda de todas as mulheres! Imediatamente, ordenou que a entregassem a ele. Que pena! Todos na aldeia ficaram angustiados, mas não havia outro jeito: seria necessário sacrificar a jovem. Naipi estava prometida para um jovem guerreiro, Tarobá. Eles se amavam de todo coração e o sofrimento por saber da iminente separação os deixou em profunda agonia, porque Naipi não ousava pedir que a tribo desobedecesse ao deus, por medo de que ele os castigasse a todos.Naipi e Tarobá decidiram, então, atrair para si mesmos a ira de Mboi e resolveram fugir, esperando que o amor que sentiam um pelo outro fosse maior que o poder de Mboi. Era tempo das cheias e a única rota de fuga possível era justamente pelo domínio do deus-serpente: o rio Iguaçu. O monstro percebeu a fuga e enfureceu-se muito, perseguindo os dois jovens apaixonados. Apesar de ser grande e poderoso, de repente Mboi viu que Tarobá e Naipi conseguiriam escapar em direção ao rio Paraná. Assim, num esforço supremo, ele ergueu seu imenso corpo, produzindo um som ensurdecedor pelo deslocamento das águas; em seguida, deixou-se cair com estrondo, criando uma enorme fenda no rio Iguaçu, que, devido ao impacto, teve sua extensão toda fendida em abismais catadupas. Surgiram, assim, as esplêndidas Cataratas do Iguaçu, cuja beleza pungente só pode ser comparada à formosura da face de Naipi e cuja força só se mede pelo amor dos dois jovens. A canoa que os levava foi tragada pelas águas e desapareceu. Como castigo, Naipi foi transformada em uma das grandes rochas centrais das Cataratas; e Tarobá foi transformado em uma árvore, à beira da cachoeira. Um via o outro, mas jamais poderiam se tocar novamente. Dizem que Mboi está lá até hoje, escondido pela espuma das águas, vigiando os dois índios apaixonados...
(Versão autoral de Sandra Baldessin, a partir do relato de uma índia artesã, encontrada no "Parque del Iguazu", em Puerto Iguazu, Argentina; fotografia feita por mim, em março de 2007).
*Os caingangues, ou kaingang, são indígenas brasileiros, originários do norte do Paraná. Hoje, estão distribuídos em reservas nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A língua dos caingangues pertence à família Jê, do tronco Macro-Jê. Para saber mais, clique aqui.